quinta-feira, 29 de outubro de 2015

PARTE VIII - SLOW FOOD OU APRENDENDO COM MEU NETO.

Paulo Mansuino de Almeida é meu neto e estudante de Gastronomia carreira escolhida pelo talento e pela grande paixão por uma boa mesa. Paixão que herdou de sua família materna italiana e de sua família paterna que sempre manteve, apesar da agitada vida moderna, o amor por refeições em família, almoços aos sábados e boa comida. Quando nos reunimos para férias a vida gira em torno da mesa. Um lauto café da manhã de hotel com todas as gerações reunidas, churrascos ao ar livre, jantares especiais, onde cada um dá seu toque de graça. Ou de talento.
Adoro caprichar nas mesas diárias ou de festa como aqui

Uma mesa de Ano Novo na minha casa em Recife.
Lembro que uma vez veraneando em grupo numa casa em São José da Coroa Grande tínhamos uma ajudante na cozinha que simplesmente lavava os pratos porque cozinhávamos para nós todos e para ela. A grande mesa ficava na cozinha e esse era nosso ponto de encontro.

Minha irmã Ana Lúcia morou em Boston, Estados Unidos para um doutorado, com seis filhos, seu marido o maestro Rafael Garcia, meus filhos que estudaram lá e mais uns tantos brasileiros que se hospedavam por lá para estudarem música. Duas mesas redondas na cozinha eram o ponto central da casa, para os habitantes cotidianos, que comiam, dormiam e lavavam a roupa lá, e para os visitantes. Cada dia a cozinha era tarefa de um e a lavagem dos pratos tarefa de outro. Estantes repletas de livros de receitas como consulta, a maioria comprada em lojas de segunda mão como todos os estudantes de qualquer grau fazem fora do país.
Bolo feito por Luciana no centenário de nosso pai.
Luciana minha irmã caçula é especialista em potência de motores elétricos e em tudo de cozinha sabendo cozinhar de tapioca e cuscus ou de bolo de rolo a deliciosos bolinhos de nozes confeitados. É a boleira oficial para festas de aniversário. Esse bolo foi na comemoração póstuma dos cem anos de nosso pai, falecido jovem aos 45 anos de idade.






Eu sou amadora, mas aprendi com minha família, especialmente com minha avó paterna a comandar a cozinha e escolher as refeições da semana uma a uma. No mercado faço a seleção: se compro carne de porco não vai faltar doce de abacaxi em calda para acompanhar, se compro bife não esqueço a banana à milanesa, se filé de peixe, molho de manteiga e de alcaparras. Sempre foi assim sendo que agora eu dou as ordens e eu mesma obedeço a mim mesma cozinhando em Portugal. Em Recife continuo fazendo as mesmas escolhas de menu e indo à cozinha de manhã, antes do trabalho para organizar as refeições do dia. Adoro experimentar receitas novas, especialmente aos sábados quando quase sempre a família se reúne.

Hoje Paulo Mansuino ajudou a preparar um rosbide perfeito para o almoço e decidimos juntos que ele, como talentoso e apaixonado futuro chef de cuisine iria começar um blog. O assunto Slow Food, literalmente comida lenta veio à tona e me interessei em ler sobre o assunto.

A Slow Food é uma organização não governamental, fundada por Carlo Petrini em 1986, para promover uma maior apreciação da comida, melhorando a qualidade das refeições e valorizando o produto, o produtor e o meio ambiente.

O conceito filosoficamente se opõe ao chamado Fast Food, aquela comida às pressas, em qualquer biboca nos intervalos do trabalho ou pior em frente à televisão, quando as pessoas comem automaticamente e nem sentam à mesa. Um grande exemplo dessa massificação do alimento e da péssima qualidade do produto imposto está na cadeia McDonald's, combatida duramente por Jamie Oliver e por Michelle Obama nos Estados Unidos.

No início de 2012 a rede mudou sua receita de hambúrgueres depois da desmonstração do chef britânico Jamie Oliver de que hidróxido de amônio é usado para converter partes gordurosas de carne em recheio para seus produtos. Comida que seria vendida por preços muito baixos para cães e que depois desse processo é anunciada como um excelente alimento para humanos, especialmente desejado pelas crianças pela propaganda enganosa feita constantemente no mundo inteiro. A carne é centrifugada e lavada nessa solução química para formar o bolo de "carne" usado em hambúrgueres. E os nuggets de frango que meninos e meninas amam? Feitos com o resto, digo o resto não aproveitado do frango, incluindo gordura, pele, cartilagem vísceras, ossos, cabeça, pernas. Essa pasta cor de rosa por causa do sangue é tratada quimicamente para perder a cor e o cheiro e em seguida é reodorizada, repintada, capeada de marshmallow farináceo e frita em óleo hidrogenado. O maior exemplo da junk food que acostumamos a usar e a comprar sem nenhum espírito crítico não fosse o excelente alerta de Jamie Oliver. O terrível dessa situação é que essas substâncias sejam consideradas componentes legítimos no processo de produção na indústria de alimentos pelos órgãos de fiscalização e portanto não somos informados dessa composição maléfica.

Acho que todo mundo se lembra da fabulosa campanha de Michelle Obama nos Estados Unidos a favor de uma alimentação saudável e contra a obesidade infantil. Todas essas frases são delas ditas em diferentes situações e que nos deveriam fazer pensar.

"O problema é quando esse tipo de comida se torna um hábito. Acho que isso é o que aconteceu na nossa cultura. Fast food tornou-se a refeição de cada dia."

"Não estou pedindo a nenhum de vocês para fazerem mudanças drásticas nas suas receitas ou para que mudem totalmente a maneira como fazem seus negócios. Estou pedindo que considerem reformular seu menu de uma forma pragmática criando versões mais saudáveis das comidas que amamos."

"Juntos nós podemos ajudar a que cada família que procure um restaurante possa fazer uma escolha fácil e mais saudável."

Gnocchi de batata com queijo parmesão da Mantiqueira.
Esse chamado movimento Slow Food ou o Cittaslow preza pela necessidade de informação do produto aos consumidores, pela preservação das tradições culturais alimentares e gastronômicas, por técnicas de cultivo e consumo herdadas em cada local, pela defesa de espécies vegetais e animais, domésticas e selvagens e pela sociobiodiversidade alimentar. O alimento deve ser bom, limpo e justo, saboroso, mas produzido de forma a respeitar o meio ambiente. Promove também alimentos em risco de extinção, catalogados na Arca do Gosto. Ajuda as pessoas a redescobrir o prazer do alimento e a entender de onde sua comida é proveniente, como é feita e por quem. Em São Paulo acontece entre 8 e 18 de outubro a primeira edição do Festival Arca do Gosto. Quatorze dos principais restaurantes paulistas alinhados com essa filodofia se reunem para apresentar algumas das nossas riquezas em pratos especiais, a maioria inédita. A foto acima é da chef Lígia Karasawa, do Brace Bar & Griglia.
Símbolo do movimento Slow Food

Esse o grande prazer que reencontrei morando no Alentejo e usando produtos do campo em sua maioria. Mas o Brasil tem um grande potencial para isso, com nossa enorme variação e cultura gastronômicas.

Conhecendo a forma como a comida industrializada é produzida inflingindo sofrimento aos animais especialmente pelo confinamento sentimos a necessidade de repensar a produção das grandes indústrias e seus procedimentos. Mas não são só essas indústrias. As crueldades inflingidas aos animais pelo confinamento em fazendas industriais também são praticadas de rotina em pequenas fazendas com selo do tipo humanitário.

Lembremos o saboroso mas sofrido "foie-gras". Essa iguaria francesa é um patê feito com o fígado doente, por esteatose hepática, fígado gorduroso e aumentado de patos, gansos e marrecos. As aves são submetidas a uma vida confinada e a uma alimentação forçada, especialmente no último período antes do abate. Em seus últimos dias as aves comem até seus fígados crescerem 12 vezes. Alguns criadores mantêm luz artificial para que as aves acordadas comam mais. Muitas vezes a mistura de alimentos é injetada numa cânula presa ao pescoço e que vai direto ao esôfago. Essa metodologia gera protestos de grupos ecologistas de todo o mundo e alguns países já proibiram esse requinte, como a Alemanha, Itália, Israel e Grã-Bretanha. Os consumidores em muitos outros países europeus estão recusando comer fígados doentes de animais torturados numa tentativa de trazer ética aos nossos pratos.
A tradição do foie-gras é antiga e remonta aos egípcios e aos romanos, que alimentavam suas aves com figos durante seis meses. As crueldades inflingidas aos animais pelo confinamento em fazendas industriais também são praticadas de rotina em pequenas fazendas com selo do tipo humanitário.
Não sei se tenho mais apetite para saborear um patê desse depois que sei como é produzido.

Outro ponto importante do Slow Food é a valorização do tempo compartilhado com família e amigos durante uma deliciosa refeição tradicional ou à moda antiga. Tempo de escolha da qualidade dos alimentos, tempo de preparo, tempo de degustação. Tempo de convivência, tempo de lazer, tempo de saborear vida, tempo de qualidade.

Outros movimentos foram inspirados pelo Slow Food e estão crescendo como conceito, tipo o Cittá Slow, que valoriza a qualidade de vida em oposição ao estilo apressado das grandes cidades e sugere redução de rítmo aproveitando o que a cidade tem de melhor a oferecer.

Slow Design que dá valor à produção de objtos atemporais, que exijam do produtor maior concentração e dedicação. Slow Home que defende uma arquitetura personalizada voltada para o desenvolvimento de ambientes agradáveis em casa e no trabalho. Slow Travel que incentiva a importância de viagens com tempo e calma, roteiros mais pausados, viagens mais longas.

São todos movimentos de combate ao estresse e à ansiedade causados pela constante pressa na rotina de nossa vida moderna. Não há idade, tempo ou rotina que impeça mudança de estilo e que principalmente melhore a qualidade de vida. Basta querer.

1 - Slow Food Brasil - http://www.slowfoodbrasil.com/festival-arca-do-gosto