sexta-feira, 21 de agosto de 2015

PARTE II - E FALANDO DE FIGOS

Andando na saída de nossa casa para a estrada de pedrinhas brancas senti o cheiro de figos no ar e  emocionada vi a figueira carregada desses pequenos frutos deliciosos. Uma experiência olfativa e visual inesquecível seguida pelas delícia gustativa porque colhi alguns para comer na hora.
Detalhe de umas das figueiras do Monte da Fazenda.
Na realidade a colheita não é fácil e geralmente é feita em Portugal com um instrumento de lata chamado roca que permite atingir os figos mais altos, os mais gostosos porque recebem mais sol.

Esses figos são chamados lampos, com sua epiderme violácea. São os que nós temos para comprar no Brasil. O figo é um falso fruto, pois é um receptáculo contendo centenas de pequenos frutos que pensamos ser as sementes. Em vez de ser um fruto delicioso o figo é uma infrutescência deliciosa.




Jan Kremer colhendo figos à moda portuguesa.
Comemos nos figos as flores que após a fecundação ficam inchadas e carnosas.
A colheita aqui ocorre de julho a outubro, chamada de vindimo porque o ápice (fins de agosto e setembro) ocorre na época das vindimas. Nesse período são preparados os figos secos e as compotas que sobrevivem ao verão. Há uma primeira colheita da figueira Lampa em junho, os figos de São João.
Não tenho aqui no meu quintal mas Portugal tem um outro tipo de figo, chamado "Pingo de Mel", verde, menor e muito mais doce como o próprio nome indica.
A figueira é nativa do Sudoeste Asiático e ao longo dos anos difundiu-se pelos países meditarrâneos europeus e pelo norte da África, sendo que atualmente é cultivada em todo o mundo. E é sempre um fruto caro provavelmente porque é difícil de conservar fresco.

Figos colhidos no quintal.
Com uma cesta de figos frescos em casa experimentei duas receitas que vou colocar aqui para serem testadas.

Quando o figo apresenta cortes na parte mais gordinha é sinal de que está maduro e doce.














FIGOS COMO ENTRADA:
Ingredientes:
4 figos divididos na metade no sentido do comprimento (8 metades)
16 fatias finas de presunto de parma
2 colheres de sopa de azeite de oliva extravirgem
1 colher de sopa de vinagre de vinho tinto (prefiro de maçã ou de cidra)
pimenta preta moída a gosto.

Como ficou o prato de figos com parma.
O que vale aqui é a arrumação. Colocar as metades de figo num prato de vidro, enrolar cada metade com duas fatias de presunto de parma e temperar com a mistura de azeite e vinagre. Por último colocar a pimenta preta moída, a gosto.
Usei 8 fatias de presunto divididas ao meio o que fez 16 como na receita.
Excelente entrada e sabor cinco estrelas. Muito fácil também e sofisticada.

Poderia ser servido em taças individuais com duas metades em cada. O problema é que ninguém iria querer só um figo. Então 3 a 4 metades em cada taça. Tudo depende da gulodice.

COMPOTA DE FIGOS
Ingredientes:
1/2 quilo de figos
1 xícara de açúcar
1/4 xícara de água
3 fatias de limão sem caroço e sem casca
1 pau de canela.
Figos em compota.
Lavar bem os figos e reservar (usei a a frase certa dos livros de receitas).
Levar ao fogo a água com o açúcar e deixar ferver por cinco minutos.
Colocar os figos inteiros, as fatias de limão (usei limão siciliano porque tenho no quintal e porque gosto mais do sabor) e o pau de canela.
Cozinhar em fogo baixo por cerca de 20 minutos ou até os figos ficarem transparentes.
Para mim parecia difícil de atingir mas olhando sempre, com um timer ligado, percebi a diferença na cor e a quase tranparência.




Os figos eram roxos e ficaram com essa cor esverdeada brilhante. Algum figo mais maduro que estava aberto soltou as sementinhas (que de verdade são os frutos) o que fez a compota mais bonita.
Em algumas receitas pode se acrescentar um cálice de vinho do porto no cozimento.
Em Portugal é muito fácil usar vinho do porto que é muito barato.

Ontem foi o dia dos figos: colhemos figos, comi figos tirados da árvore sem usar colher, tivemos uma entrada com figos no jantar e a sobremesa de figos. Tudo delicioso.

A sobremesa comemos com queijo São Jorge, que é um queijo de sabor especial e bem forte, típico dos Açores acompanhada com vinho do Porto. Fomos dormir nos sentindo no paraíso.
Sempre temos esse queijo em casa.

Os queijos São Jorge (DOP - Denominação de Origem Protegida) são produzidos a partir de leite cru de vaca com um tempo de cura mínimo de 3 meses. O sabor forte e ligeiramente picante desse queijo se acentua com o tempo de cura.

No Brasil amo queijo do reino e aqui queijo São Jorge que muitas vezes comemos à noite, após o jantar, no terraço da frente da casa que avista o por do sol, com marmelada (sabor da minha infância que não volta mais) e vinho do porto.




Em Portugal a passa feita com figos é muito comum e uma maneira de ter o sabor de figos o ano todo, já que esses frutos não duram muito. Ainda não experimentei mas estou me preparando para fazer passas com as uvas do quintal. Minha vizinha amiga já me ensinou como fazer.
A passa de figos ou o figo seco tem até poesia que transcrevo aqui. E a poesia descreve como fazer o figo seco no almanxar. Aprendo também um monte de palavras novas nessa terra fenomenal.

"Chamou-lhe um figo" é uma expressão portuguesa antiga, ainda em uso, referente a algo delicioso que se comeu num ápice. Certamente se refere a tudo feito com esse fruto delicioso que é o figo.
A poesia encontrei no blog do Chef Ratatui (http://chefratatui.blogs.sapo.pt/tag/figo)

"O Figo Seco"
Seca o figo no lugar
chamado almanxar
ao sol até ao pincro
sobre esteiras de funcho
e estas sobre junco
irá depois para a tulha
um cilindro de cana
sobre chão formigão
donde escorre o mel
que sacia o abelhão
vão depois ao fumeiro
de enxofre e mau cheiro
para expurgo de bicheza
que manda a natureza
espalmados são moedas
uns, apenas flor
e os de mais valor
meia-flor ou mercador
figos de ano seco
irão pró estrangeiro
de chuva corrente
vão para aguardente
vai enseirado em palma
o belo figo coito
para andar no bolso
a servir de biscoito

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